terça-feira, 21 de junho de 2011

O Islã por olhos ocidentais não eurocentristas


O Islã por olhos ocidentais não eurocentristas

por: PIETRO P. PERINI

            Hoje em dia, graças à globalização, atentamos as diversas notícias do mundo árabe e, infelizmente, em sua maioria, estas são relacionadas a atos terroristas, erroneamente associados à religião islâmica. Este erro, cometido quase que em sua totalidade no Ocidente, é devido a visão eurocêntrica criada em torno do advento das Cruzadas, organizadas pelo papa Urbano II no século XI, em que tinha o objetivo de auxiliar os cristãos ortodoxos de Constantinopla contra o avanço dos turcos seljúcidas na Anatólia. Para comover o papa, Aleixo I Comneno, então basileu do Império Bizantino, relatou que os turcos agiam de forma cruel com os seus conquistados, matavam crianças e mulheres sem nenhuma piedade.  Desde então os muçulmanos, adeptos do islamismo, são vistos com grande preconceito e atenuada aversão.
            A fim de mudarmos essa visão, devemos analisar o nascimento e desenvolvimento do Islã ao longo dos seus treze séculos na história. Nosso ponto de partida é a origem do povo árabe, os beduínos.
            Este povo que variava entre nômades e sedentários habitava a Arábia Central e Setentrional. Sua língua o árabe terá importante papel na história do Islã. A região era predominantemente agrícola, abrigando a criação principalmente de carneiros. A religião principal era politeísta, a qual o culto de pedras (betilolatria), a adoração da lua e do sol era sua base, tendo influência, devido ao fluxo comercial, de cultos monoteístas como judaísmo e masdeísmo (Zoroastrismo). A influência dos persas e bizantinos, que disputavam o sul da península arábica, o Iêmen, também chamado de “Arábia Feliz”, foi um fator decisivo no desenvolvimento da sua cultura. Com estes aprenderam o emprego do uso de cotas de malha, além de novas táticas, saberes militares, dentre os quais o uso da disciplina. A sua organização social era formada por clãs, estes correspondiam por várias famílias e um determinado grupo de clãs formavam as tribos. Cada um destes clãs era liderado por um xeque, que era mestre, patriarca, guia com numerosas outras atribuições e algumas características pessoais – a riqueza e a generosidade, por exemplo – eram consideradas atributos importantes para o exercício desta liderança, como explica Salinas (2009, p.26).
            Numa dessas tribos, a Coraixita, por volta de 570 nasceu, em Meca, uma criança. Esta viria a se chamar Maomé (Muhammad ou Mohammed), órfão de pai no nascimento e aos seis anos de idade de sua mãe. Viveu em ambiente de intenso comercio e religião, Meca era um grande centro comercial e abrigava a kabba – núcleo de peregrinação e santuário de múltiplos deuses – seu papel comercial atraía, também, cristãos e judeus assim criando uma miscelânea religiosa. De sua juventude pouco se sabe, no entanto, quando tinha vinte e cinco anos, casou-se com Khadija, uma mulher mais velha do que ele e detentora de expressivos dotes, além de exercer importante atividade comercial.
            No entanto Maomé assumirá papel histórico a partir da mítica visitação do anjo Gabriel a sua pessoa incumbindo-o de ser apóstolo de Alá e de propagar a palavra de Deus. Segundo tradução brasileira de Samir El Hayek do Corão, lemos: “E não te enviamos, senão como universal (mensageiro), alvissareiro e admoestador para os humanos, porém a maioria dos humanos o ignora”. O Profeta então inicia sua pregação cautelosamente, sem grande exposição, insistindo na bondade e no poder de Deus. Nunca foi considerado como Deus, nem mesmo dotado de alguma divindade, o seu papel era transmitir a ordem e a justiça do Criador, isto sempre foi claro e seguido pelos muçulmanos mais ortodoxos.
            A prédica de Maomé, segundo Salinas (2009, p.31), era conclamatória para arregimentar todos os árabes, igualmente unidos na fé e na lei islâmica. A Umma (“comunidade muçulmana”) congregava todos os crentes, sem distinção, flagrante diferença em relação ao feudalismo europeu. Os deveres e obrigações da lei islâmica, o zakat (“imposto social”) – por exemplo – denota solidariedade social inexistente no feudalismo ocidental, muito menos no capitalismo.
            A pregação e o aumento do número de adeptos do culto monoteísta proposto por Maomé, em Meca, fez com que as autoridades começassem uma repreensão ao Profeta. O que movimentava as praças da cidade era o culto das divindades politeístas na kabba e o crescimento da difusão monoteísta acabaria diminuindo esta visitação. A favor de Maomé estava sua esposa, Khadija, que por sua influência comercial de certa maneira blindava seu marido de ameaças mais ríspidas. O aumento da perseguição ao culto islâmico levou Maomé a Medina, onde adquiriu força para posteriormente conquistar Meca, este fato ficou conhecido como Hégira, o qual marca a data inicial do calendário muçulmano.
            Conhecida a origem do pai do islamismo, podemos adentrar na sua essência. O islamismo era para todos independente se o crente era árabe ou não, todos poderiam seguir a ordem de Deus, transmitida pelo Profeta. Seu propósito fundamental é a constituição da Comunidade Muçulmana (Umma) e exigências de solidariedade mútuas, assim todos estes eram vistos da mesma maneira, a vida de um muçulmano não era mais valiosa do que a de um cristão e, além disso, outros fatores colaboram para esse espírito de coletividade humana. Alguns historiadores sugeriram um socialismo ético em volta dos preceitos islâmicos, considerado errados nos dias atuais, pois o Profeta faz exigências éticas e não as transmite de forma doutrinal.
            Assim rapidamente o Maomé transformou-se estadista e líder religioso. A hegemonia islâmica predominou na comunidade árabe e iniciou sua disseminação pelo mundo, inclusive pelas regiões mais cultas do Oriente, como descreve Salinas (2009, p.41). Alguns hábitos diferem com os assumidos, na mesma época, no Ocidente como, por exemplo, a constante higiene necessária para cumprir os costumes religiosos. O rosto, os antebraços, os pés, dedos dos pés, nariz, orelha deveriam ser limpos antes da oração. Maomé, já moribundo, continuava a manter os dentes limpos com um raminho, – chamado de Isiwak ou mswak – pois, como gostava de explicar: “Purificai as vossas bocas, pois são a via pelas quais proferem as vossas orações”.
            Após a morte do Profeta, o Islã expandiu-se religiosamente e territorialmente através dos califas, escolhidos para darem continuidade à difusão dos preceitos islâmicos. As principais dinastias são: a dos Omíadas, Abássidas e dos Mamelucos. Por parte dos Omíadas atribuímos à expansão territorial.
Entretanto, a Arábia, diz Djait (1989), desconheceu o conceito moderno de Estado e organizou sua existência sob o princípio da tribo. A despeito – e além – da separação entre nômades e sedentários, estavam unidos pelo sangue, a língua, a religião (politeísta). Segundo Amin Maalouf (2001), para os muçulmanos a diferença entre pertencer a uma religião ou a uma nação é praticamente nula. Dessa maneira quando o muçulmano alude a al-Umma, refere-se a “nação” e a “comunidade muçulmana” dos crentes religiosos.
O islamismo não era imposto aos seus conquistados, uma vez que não era de interesse financeiro, pois os povos conquistados e que não eram islâmicos deveriam pagar impostos. A expansão da religião dá-se pelo acolhimento dos pobres e das minorias, do sentimento de unidade do povo muçulmano. Da mesma forma que as outras religiões não eram proibidas – à exceção do paganismo – mas acabavam por não ter certos privilégios proporcionados pelo Islã. Aconteceu de forma rápida, do norte da África, atingiram a península Ibérica onde se formou um importante califado. No leste da Arábia chegaram à conquista da Índia.
O principal fator de miscigenação foi dado através da língua árabe, esta aprendida – obrigatoriamente – através da leitura e estudo do Corão. Diante dos problemas enfrentados pelas diversas moedas que circulavam no califado, foi criado através da moeda mais um fator de igualdade entre os muçulmanos – dinar, feito de ouro e dirham, fração do dinar, feito de prata – para evitar desvalorização nas mercadorias comerciadas.
Apesar disso, houve algumas cisões dentro do ambiente islâmico, todas em torno da sucessão do Profeta, ocasionando em uma guerra civil, algo totalmente proibido no Corão. A Umma acabou fracionada em três “partidos”, que perduram até os dias de hoje: o partido sunita, que abrange a maioria dos muçulmanos que querem manter a suna e todos os quatro califas legais (califas ortodoxos); o partido xiita, de Ali, primo e genro de Maomé, que constitui a minoria dos muçulmanos (presente no Irã, no Iraque e Líbano), para os quais, Ali é o único sucessor legítimo do Profeta; e o partido Karidjita que só reconhecem como califa o “melhor dos muçulmanos” em cada momento, seja quem for independente de origem tribal ou familiar. Hoje só é presente em Omã e Zanzibar.
Voltando a atenção ao âmbito comunitário da religião islâmica, vale ter conhecimento detalhado da já citada “esmola legal”, o zakat.
De acordo com Salinas (2009, p.92), o zakat é um imposto de amplo aspecto social e comunitário, unindo a natureza de tributo à de contribuição destinada a amparar os integrantes da comunidade de forma variada. Podem demandar o zakat, como dispõem o Corão, os seguintes, em ordem assim determinada: os pobres, os empregados na coleta dos tributos, os que devam ser reconciliados o islamismo, os escravos, os devedores, os que sejam encontrados no caminho de Alá (nesse caso era exigido o cumprimento das obrigações militares) e os andarilhos.
A escravidão no Islã é abordada diferentemente do Ocidente. O escravo não era considerado com “uma coisa”, pois tinha direitos, como, dentre eles o de casar-se; o direito materno de não se separar dos filhos e o direito dos esposos à coabitação. Os maus tratos pelo escravista podiam acarretar a libertação do escravo. Os Mamelucos – escravo que prestava serviço militar – eram sultões de origem servil, e reinaram no Egito de 1250 a 1517 e na Síria de 1260 a 1516, numa época de expressivas realizações econômicas e culturais, conforme relata Salinas (2009, p.103).
A maneira como tratavam a guerra tinha determinadas condutas a serem seguidas, como proibições, entre as dez, destacam-se: mutilar infiéis, cortando-lhe os narizes e orelhas (pratica corriqueira no império bizantino); matar mulheres, ainda que tenham auxiliado os varões, crianças e dementes; matar de modo desleal ou à traição o inimigo ao qual o imã – juiz – já havia prometido segurança e envenenar fontes e águas potáveis. Nota-se, através disso, que a imagem criada por Aleixo I Comneno, citado no início do texto, sobre os povos islâmicos destoa da realidade vivida na época.
Apropriando-se disso – e de inúmeras outras demonstrações de compaixão e respeito pelo ser humano, tomadas pela ordem de Deus propagada pelo Profeta – que a visão adotada pelos povos do Ocidente é equivocada sobre os preceitos islâmicos. E vale ressaltar que estes seguem, de certo modo, a mesma ótica quanto aos povos Ocidentais, causada a má impressão pela devastação social em nome da Cruzada. Foram acusados de barbáries e maus tratos aos Ocidentais sendo vítimas dos mesmos.

Bibliografia utilizada:
SALINAS, Samuel Sérgio, Islã: esse desconhecido: séculos VII-XIII / Samuel Sérgio Salina. –São Paulo : Anita Garibaldi, 2009. p.22 – 111.

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